John Wood o Semeador de Bibliotecas

14 de janeiro de 2018 - Inspiração e Reflexão

Entrevista concedida no Brasil a Marcelo Musarra da Revista Planeta

Você teria coragem de sair de seu emprego para ajudar as pessoas?

John Wood teve. Era um grande executivo, mas virou a mesa: criou milhares de livrarias pelo mundo para comunidades carentes. Em seu livro Saí da Microsoft para Mudar o Mundo, ele conta como foi isso. Num de seus momentos de iluminação, Thomas Edison, o inventor da lâmpada elétrica, disse: “A verdadeira função do corpo é levar o cérebro para passear.” Num desses passeios, John Wood, um ex- executivo da maior empresa de tecnologia do mundo, a Microsoft, descobriu a sua verdadeira missão: ajudar crianças carentes a aprender a ler e escrever.

Mas o que leva um jovem profissional no auge da carreira a abandonar a empresa que lhe dá fama e fortuna para abrir escolas e bibliotecas em países de paisagens inóspitas e climas mais ainda?

Coragem para sair de um estilo de vida pautado pelo consumismo é o mínimo. Vontade de construir um mundo melhor é o combustível desse homem que descobriu que mais vale fazer um pouco pelos outros do que muito para si mesmo.

Felizmente Woods não se contenta em fazer pouco. Fundador da Room to Read (literalmente, “sala para leitura”, em inglês), esse norte-americano que tinha tudo para se tornar apenas mais um discípulo de Bill Gates já criou mais de 287 escolas e 3.600 bibliotecas. Resultado: 1,5 milhão de crianças favorecidas em países como Nepal, Índia, Sri Lanka, Camboja, Vietnã, Laos e África do Sul. Por enquanto.

Em visita ao Brasil para lançar o seu livro, Woods recebeu Marcelo Musarra num dos mais luxuosos hotéis de São Paulo. Apesar de ser um aparente paradoxo, esse luxo significa pouco para quem nos brinda com dicas inspiradoras que você pode conferir nesta entrevista concedida com exclusividade para a Revista PLANETA.

Você fez uma revolução na sua vida. Como foi esse processo?

Toda mudança implica profundas alterações. A maior delas acontece dentro de nós mesmos. Na época eu trabalhava na Microsoft desenvolvendo novos mercados e de repente apareci com essa ideia. As pessoas diziam: “Room To Read? O que é isso? Você é louco!” Hoje, as pessoas veem que sim, eu sou louco (risos). Mas tenho um plano de negócios e isso muda tudo.

Essa ideia surgiu durante uma viagem ao Nepal. Você foi a negócio, turismo ou tinha alguma motivação religiosa?

Sou espiritualizado, mas não sigo nenhuma religião. Eu estava de férias e um dos livros que li foi A Arte da Felicidade, do Dalai Lama. Foi o texto certo, no momento exato. Ele me ajudou a ver que a minha felicidade não estava no universo corporativo.

Na Microsoft, tive muitas conquistas. Mas chegou um momento em que comecei a me questionar. Afinal, para que servia tudo aquilo? As palavras do Dalai Lama reforçaram em mim a importância de retribuir tudo que eu havia recebido. E também a ideia de que o importante não era cumprir o projeto que as outras pessoas tinham para mim: era ajudando aos outros que eu me sentia mais feliz.

Quais foram os maiores obstáculos para implantar o projeto?

O primeiro deles foi ser levado a sério. Na Microsoft eu era respeitado, tinha verbas. Já na Room to Read eu não tinha nada. O segundo foi manter a fé em mim mesmo. As pessoas me colocavam à prova, diziam coisas muito negativas. Então eu pensava: “Elas não vão conseguir me brecar. A única pessoa que pode fazer isso sou eu mesmo.” Se você acredita em si, pode superar qualquer obstáculo.

No início você tentou obter recursos na Microsoft?

Eu tentei em todos os lugares. No começo não fui atrás de dinheiro, mas de livros e recebi ajuda de meus amigos. Isso foi muito estimulante. Eles ajudaram a divulgar o meu trabalho e começaram a chegar doações de gente que eu nem conhecia. Aí você vê a importância de trabalhar em rede.

Foi sorte eu ter começado no Nepal. Muitas pessoas estavam indo para lá e viam de perto o problema da pobreza. Elas ajudaram porque sabiam que dar educação é diferente de dar esmolas: você não está dando uma ajuda momentânea. Está dando condições para que as pessoas se tornem autossuficientes.

Como você aplicou os conhecimentos obtidos na Microsoft no desenvolvimento da Room to Read ?

A Microsoft tem uma cultura voltada para resultados. É preciso definir objetivos e conseguir alcançálos. Eu trouxe esse pensamento para a Room to Read. Para serem bem-sucedidas, as empresas têm de estabelecer metas. As ONGs devem fazer o mesmo.

Então você deu um tratamento profissional ao projeto.

Exatamente. O profissionalismo atrai capital. Além disso, trimestralmente enviamos milhares de emails para os nossos colaboradores mostrando qual era a meta inicial e o que efetivamente realizamos. Essa transparência nos torna parceiros, pois os doadores certificam-se de que estamos trabalhando duro.

Quando foi que o projeto começou a dar certo?

No primeiro ano, conseguimos apenas US$ 50 mil, provindos principalmente de mim mesmo (risos). No segundo, levantamos US$ 150 mil. Logo, abrimos sucursais e as doações começaram a chegar de todas as partes do mundo. Essa estratégia foi essencial para o nosso sucesso. Geralmente, as

Ricardo G R Lezana [email protected]

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ONGs fazem campanhas direcionadas a todas as pessoas. Nós fazemos para as que são ligadas à educação. Elas sabem que o que estamos fazendo pode realmente mudar o mundo.

Você teria coragem de sair de seu emprego para ajudar as pessoas?

E as pessoas? Continuam doando livros?

Este ano, estamos abrindo 400 novas bibliotecas em sete países diferentes. Distribuímos pelo menos um milhão de livros por ano e eles têm de ser publicados em diversas línguas. Portanto, não podemos mais nos apoiar em doações de livros, pois elas não permitem trabalhar nessa escala.

Vocês estão ensinando as crianças por intermédio de histórias em quadrinhos?

Nesses países, as pessoas não têm dinheiro para comprar revistas infantis. Como não há mercado, os editores não publicam nada. Por isso, as crianças não leem simplesmente porque não existem livros para elas.

As histórias de heróis locais (Woods mostra o livro que está em suas mãos) atraem muito mais o interesse delas.

Mas esse livro é bilíngue. Também está escrito em inglês.

Saber inglês sempre será útil. Se ensinar uma língua é bom, ensinar duas é ainda melhor. Além disso, fazer a versão bilíngue não aumenta os custos de produção.

O Room to Read já deu mais de duas mil bolsas de estudo para garotas. Por que não também para os meninos? Hoje, muitas mães criam os seus filhos sozinhas. Se souberem ler, elas também poderão ensinar suas crianças. Centralizar esforços nas meninas tem muito mais efeito.

Vocês recebem apoio de grandes corporações. O que elas pedem em troca?

Nada. Elas apoiam nosso projeto como empresas socialmente responsáveis. Este livro, por exemplo, foi patrocinado por uma grande corporação. Dissemos a eles que poderiam colocar o logotipo na contracapa, mas eles não quiseram.

Isso representa uma mudança na mentalidade corporativa?

Com certeza. Hoje, as grandes corporações sabem da importância de atuar nas áreas de responsabilidade social e/ou ambiental.

Mas essa mudança pode ser apenas uma estratégia para abrir novos mercados.

Sim, pode ser. Muitas delas têm negócios nos países onde a Room to Read atua. Mas sou pragmático. Eu lhes digo: “Ótimo, nos deem dinheiro e vamos fazer com que as coisas aconteçam.” Elas poderiam deixar a tarefa da educação para o governo. Seria mais rentável investir no desenvolvimento do mercado de modo mais imediato. Afinal, investir na educação requer visão de longo prazo.

Qual é o seu conselho para quem quer mudar de vida, mas não tem coragem?

Meu conselho é: comecem a mudar agora. É triste ver o tempo passando e a pessoa não fazer aquilo em que acredita.

Não é uma regra fixa, mas, quando as pessoas vão atrás de seus sonhos, elas se tornam mais felizes. Claro que existem riscos. Viver, em si, já é um risco. E não existe risco maior do que viver na infelicidade.

Agora que o seu trabalho já é reconhecido, quais são os planos para o futuro?

Nós queremos atender pelo menos dez milhões de crianças. Serão três milhões em 2010. Acreditamos que até 2020 teremos cumprido essa nossa meta.

As crianças do Brasil fazem parte desses planos?

Sim, as pessoas que tenho encontrado falam muito na necessidade de trazer nosso projeto para cá. Principalmente as bibliotecas, que são fáceis de ser criadas e podem ser implantadas em diversas regiões.

E qual é o seu recado especial para os leitores brasileiros?

O Brasil é um país muito criativo. Então, por favor, brasileiros, me enviem as suas ideias para que possamos levar educação para um número cada vez maior de crianças.

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