A Lição de um Esquimó

21 de janeiro de 2018 - Inspiração e Reflexão

Autor: Gontran de Poncis

Estávamos na trilha havia 30 dias — eu e a família de esquimós com quem eu estava viajando. Por causa do vento, do frio — fazia 50 graus abaixo de zero — e da mentalidade dos esquimós, aquela foi a viagem mais dura que já fiz.

Eu me sentia como se o destino estivesse propositadamente trabalhando para nos atrasar. Num dia a nevasca nos mantinha acocorados num iglu. No outro, embora o tempo estivesse bom, meus companheiros decidiam parar e construir um novo iglu, em vez de seguir em frente.

Foram inúmeras as vezes em que perguntei ao velho da família:

– Quantos dias faltam para chegar a King William Land?

Ele nunca respondia diretamente. Os esquimós não gostam de perguntas. Eles as consideram rudes. Apenas um homem branco perguntaria uma coisa dessas. Além disso, os esquimós não gostam de se comprometer. “Como estará o tempo amanhã?”, você pergunta. O esquimó sabe, mas responderá educadamente: mauna — “não sei” — e fingirá estar ocupado com os cachorros, como se dissesse: “Por que eu deveria responder? Se a minha resposta estiver correta, não receberei nenhum crédito; se estiver errada, parecerei um tolo!”

Durante todo o dia avançávamos sobre o mar congelado, parando apenas para desembaraçar os tirantes dos cachorros ou acender um cachimbo. Avistamos terra. Talvez a alcançássemos. Então, quando podíamos vislumbrar a esperança, começou a ventar e a terra foi encoberta por redemoinhos de neve, perdida no que, para mim, era o triste desespero do nada.

Paramos outra vez. Lentamente, sem a mínima pressa e com aquela perfeita afabilidade com que os esquimós aceitam a vida e o destino, Ohudlerk, o velho, conversava com sua esposa e sua filhinha. Em casa, na França. um camponês pararia com a mesma fleuma durante uma tempestade para inspecionar seu arado.

Mal conseguindo controlar minha preocupação, repeti minhas perguntas ao velho.

– Quando você acha que chegaremos a King William Land?

Se a paciência dele estava no fim, ou se estava realmente preocupado, jamais saberei. Ele virou-se para sua esposa e os dois se entreolharam em silêncio.

Em seguida, Ohudlerk veio até mim e me olhou. Falou naquela maneira suave, quase descuidada que os nativos usam quando estão sendo prudentes e temerosos ao mesmo tempo:

— Os cachorros não estão indo tão bem quanto o senhor gostaria?

Houve um silêncio. Os cachorros tinham virado as cabeças como fazem quando param e olhavam para mim. A mulher e a criança fingiram estar ocupadas, mas eu sabia que também me observavam. Naquele instante, tudo parecia ter parado. Os esquimós transmitem essa sensação em seus momentos tensos com sua maneira de deixar o silêncio mais pesado. Será que eu tinha extrapolado? Por fim, como se não conseguisse se livrar de suas dúvidas, o velho perguntou:

— Este trenó não é bom? O senhor não está contente porque a neve que cobre o mar se manteve firme durante a nossa jornada?

Ele continuou me olhando com olhos profundamente perturbados. A Idade da Pedra com a sua simplicidade e o Oriente com a sua sabedoria estavam me olhando, tentando compreender — ou talvez tentando fazer com que eu os compreendesse. Então, de repente, vi o que os olhos do velho estavam dizendo.

— Por que a pressa? — eles perguntavam. — E aonde é que você está sempre querendo ir? Por que se preocupar com o futuro quando o presente é tão magnífico?

Naquele dia, o velho me ensinou uma lição que não esqueci. Na minha frenética preocupação com o amanhã, eu não conseguia admirar o hoje. Ele me fez lembrar do que alguém me dissera: “Pensar sobre o passado é lamentá-lo; pensar sobre o futuro é temê-lo.” Mas o presente! Não é esta a única realidade compreensível?

O mundo é aquilo que a nossa mente faz dele. Para mim, o Ártico tinha sido traumático; para os esquimós, era um grande império onde eles reinavam. Para mim, a neve tinha sido repugnante; para eles, uma bênção e um presente sagrado. Entre as mil facetas da vida, temos liberdade para escolher entre o pesar e a esperança.

Percorremos apressados as estradas da vida e ignoramos a paisagem. Quem foi que disse “Luxo é ter tempo de sobra” — tempo para parar e pensar? Os esquimós param quando sentem vontade, como se o amanhã guardasse para eles, assim como guarda para nós, a eterna possibilidade da fome e da morte.

Por isso, quando a morte chega, ela os encontra ainda felizes no presente, e eles partem sem arrependimentos.

Aprendi, desde que Ohudlerk falou para mim com seus olhos, como eu tinha sido pobre de espírito enquanto estava no Ártico. Aprendi com ele a construir a riqueza de cada dia, como se não houvesse o amanhã. Nada que o futuro possa me fazer é capaz de mudar o que possuo agora.

Em Vancouver, quando a longa jornada acabou, eu me surpreendi correndo para o hotel, como se não houvesse tempo a perder. De repente, parei no meio do trânsito. O som das buzinas vinha de todas as direções, mas eu não as ouvia. Era como se Ohudlerk estivesse parado na rua diante de mim, me observando com aqueles olhos sábios, velhos, curiosos e preocupados me perguntando se os cachorros não eram mesmo bons e se a neve não era de fato um presente do céu. E me vi rindo. Como somos tolos!, pensei. E ainda penso assim.

Não importa a latitude ou a longitude de onde vivemos, todos nós passamos por períodos de tempestades — indiferença afetiva, pouco dinheiro ou colegas pouco solidários. No entanto, as pessoas que vivem a grandeza de cada dia possuem uma fantástica capacidade de atravessar tempestades e encontrar porções de alegria e significado em quase qualquer circunstância. Elas escolhem a alegria e optam por apreciar o hoje pelo hoje. Por agirem assim, fazem com que a felicidade seja uma parte de seu cotidiano e não um destino futuro.

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