Tijolo por Tijolo

25 de janeiro de 2018 - Inspiração e Reflexão

Autor: Bill Shore

Durante anos eu trabalhei na política, carreira que exigia longas horas de trabalho e muitas viagens. Quando o senador Bob Kerrey concorreu à presidência em 1992, por exemplo, eu o ajudei na campanha e passei muito tempo longe de minha esposa, Bonnie, e de nossos filhos pequenos, Zach e Mollie. Depois da campanha, ao voltar para casa, aprendi uma importante lição sobre como equilibrar a carreira e a família, sobre o que as crianças de fato querem de um pai — e sobre construção e desmonte de paredes.

Eu acabara de voltar de uma série de longas viagens com o senador, algumas delas de seis a sete dias, com apenas uma rápida parada em casa. Isso foi pouco depois do terceiro aniversário de Mollie. Mollie e eu cruzávamos de carro nosso bairro de Silver Springs, em Maryland, voltando da mercearia, quando, do banco de trás, minha filha perguntou: — Pai, em que rua fica a sua casa?

Julguei que ouvira errado:

— Como?

— Em que rua fica a sua casa? — ela repetiu.

Foi um momento revelador. Embora ela soubesse que eu era seu pai e que sua mãe e eu éramos casados, não sabia que eu vivia na mesma casa que ela.

O ESCONDERIJO SECRETO

Embora eu conseguisse convencer Mollie de que morávamos no mesmo endereço, aquela incerteza sobre meu lugar em sua vida continuou a manifestar-se de muitas formas. Um joelho ralado levava-a correndo para a mãe, nunca para mim. Uma pergunta suscitada por alguma coisa escutada na escola era guardada durante horas até mamãe estar por perto para responder.

Percebi que tinha não apenas de passar mais tempo com Mollie, mas também fazê-lo de forma diferente. Quanto mais sentia a distância que nos separava, mais procurava fazer programas com ela — como ir à piscina ou ao cinema.

Na hora de dormir, Bonnie me chamava ao completar a rotina que antecede o sono e eu entrava no quarto de Mollie como um dentista que esperou até o paciente estar preparado, de modo a não perder um minuto de tempo. Era assim que me sentia e tenho certeza de que Mollie também.

Um momento crítico ocorreu numa noite de verão. Percebi de longe que Mollie sentia-se cada vez mais frustrada na sua tentativa de construir um esconderijo secreto no quintal. O sol já se punha e ela deveria estar se preparando para a cama, mas os finos tijolos que procurava equilibrar não paravam de cair. Quando as paredes desabaram pela última vez, ela desatou a chorar. Aproximei-me e perguntei:

— Sabe do que você precisa pra fazer esse trabalho, Mollie?

Ela levantou a cabeça:

— O quê?

Assumi um ar sério:

— Uns 60 tijolos.

Minha filha ficou desolada:

— Ééé, mas nós não temos 60 tijolos.

Afirmei com segurança:

— Mas podemos arranjar. Ponha os sapatos e salte dentro do carro. Vamos até o armazém.

Rodamos seis quilômetros até o armazém e encontramos os tijolos. Comecei a carregá-los, poucos de cada vez, e colocá-los no carrinho de mão. Eram ásperos e pesados, e percebi que iam dar trabalho, pois teriam que ser transportados para o carro e descarregados em casa.

— Por favor, papai, me deixe fazer isso. Por favor! — pediu Mollie

Se eu deixasse, ficaríamos ali o resto da vida. Olhei o relógio e tentei conter a impaciência.

— Mas, querida, são muito pesados.

Ela insistiu, aproximando-se rápido da pilha de tijolos e pegando um com as duas mãos.

— Por favor, papai, deixa eu fazer isso — recomeçou. Carregou o tijolo para o carro e colocou-o junto aos que eu já pusera ali. Aquilo ia levar a noite toda.

Mollie voltou à pilha e escolheu com todo o cuidado outro tijolo. Não apressou na escolha. Então percebi que ela realmente queria que durasse a noite toda. Era raro nós dois passarmos tanto tempo juntos sozinhos, e eu constatei, comovido, que Mollie queria prolongar o momento.

O MOMENTO DE MOLLIE

Encostei-me numa das divisórias de madeira e respirei fundo. Mollie, carregando cada tijolo, relaxou e tornou-se tagarela, falando-me do que ia construir, da escola, das amiguinhas e da próxima aula de equitação. Naquele momento me ocorreu que, embora estivéssemos ali comprando tijolos para fazer uma parede, na verdade estávamos desmontando — tijolo por tijolo – a parede que ameaçara separar-me de minha filha.

Desde então fiquei sabendo o que a mãe já sabia. Era ver um programa de TV com Mollie, mesmo que eu não estivesse interessado no programa; era abandonar o jornal ou o livro que estava lendo para ficar inteiramente disponível. Ela não quer seu pai pelo que posso dar-lhe. Ela me quer por mim mesmo.

A incrível rapidez com que vivemos nossos dias compromete o equilíbrio entre as exigências colocadas pela carreira, amigos, diversões e famílias — sobretudo famílias. Mas, como aprendeu o pai nesta história, não se atinge o equilíbrio em questão de minutos. Ele é ganho e montado com o tempo, tijolo por tijolo — conversa por conversa, encontro por encontro. É preciso estar consciente de que a busca do equilíbrio exige tempo, persistência e total dedicação.

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