O Poder da Atitude

15 de janeiro de 2018 - Inspiração e Reflexão

O homem que salvou 9 milhões de vidas

”A meta de Marc Koska é interromper a transmissão de doenças fatais por seringas reaproveitadas”

Por Susannah Hickling

Uma menina de 4 anos entra num consultório na Tanzânia para ser vacinada. A enfermeira pega uma seringa e lhe aplica a injeção. O próximo paciente é um rapaz portador de HIV que vai tomar uma injeção para o tratamento de sífilis. A enfermeira pega a mesma agulha. A agulha não perfura a pele com facilidade; foi usada tantas vezes que seta rombuda. A próxima pessoa na fila é mãe que trouxe o bebê para tomar a vacina que deveria protegê-lo. A profissional da saúde estende a mão mais uma vez para a mesma seringa e inocula a criança – e é quase certo que a contamina com HIV.

Nesse momento, o inventor britânico Marc Koska para o vídeo, feito secretamente por um aluno de medicina da universidade de Dar es Salaam. Ele se vira para Lucy Nkya, Vice-Ministra de Saúde e do Bem Estar Social da Tanzânia, com quem conseguiu uma rara audiência de dez minutos em janeiro de 2011. Ela tem lágrimas nos olhos. ” O que podemos para resolver isso? ”, pergunta.

A reutilização de seringas contamina com o HIV 230 mil pessoas por ano e, com hepatite B e C, espantosos 23,7 milhões de pessoas. A cada 24 segundos alguém morre em consequência de uma injeção insegura. Marc acredita ter a solução, mas convencer o mundo tem sido difícil. Muitos já teriam desistido, mas algo especial o move: ele se dedica a essa luta há 30 anos.

Ele diz que sua missão começou aos 6 anos. Olhava as estrelas quando pensou: o que vou fazer na vida? Sabia que queria encontrar um grande problema para resolver.

Marc frequentou uma ótima escola particular inglesa, mas, depois de adulto, mudou de emprego várias vezes até que, em 1984, com 23 anos, foi parar na ilha caribenha de Santa Cruz como um ocioso ” rato de praia ”.

Mas uma sombra pairava sobre seu paraíso: os meios de comunicação só falavam de AIDS. Certo dia, leu que as seringas se tornariam a maior rota de transmissão do HIV, porque eram reutilizadas nos países em desenvolvimento. Para Marc, aquilo foi como um relâmpago. Esse é meu grande problema, pensou. Consternado com a possibilidade dessa catástrofe, ele se perguntou: A solução não seria uma seringa que não pudesse ser reaproveitada?

Ele atacou o problema, enfrentando um duro aprendizado. Foi para campos de vacinação na África, estudou a distribuição de equipamentos médicos e examinou o projeto das seringas. Após três anos, produziu o protótipo da K1, uma seringa cujo êmbolo se quebra se for puxado para reutilização. Mas inventar a solução foi apenas o começo da luta. Para convencer os países pobres a adota-la, a seringa não podia ser mais cara do que as já existentes. A moldagem era complexa: a probabilidade de convencer as fábricas a obter novos equipamentos para produzir sua seringa era zero.

Numa visita à fábrica da Gillette na Inglaterra, ele observava os complicados moldes de metal numa bancada quando uma ideia lhe ocorreu. E se, em vez de comprar equipamentos novos, as fábricas só precisassem modificar os que já tinham? Seu projeto só exigia uma mudança de 2% no molde existente. Em 1997, Marc patenteou o projeto final.

Naquele mesmo ano, fez um grande avanço: a fábrica de uma empresa familiar do Brasil ( aqui, um terço dos casos de HIV se devia ao reaproveitamento de seringas ) concordou em converter a maquinaria para produzir a k1. Marc ficou contentíssimo. Mas recebeu um telefonema inesperado: a família vendera a fábrica – e os novos donos demoliram o prédio.

Ele percebeu que a concorrência nesse mercado era feroz. Mas quando pensou nas crianças brasileiras que não se beneficiariam da seringa, ficou ainda mais decidido. Por fim, em 2001, autorizou uma empresa indiana a produzir a K1 e, pouco depois, vendeu o primeiro lote para o Unicef.

Agora, aos 40 anos, Marc foi atingido por um novo choque de realidade: precisava conscientizar os profissionais de saúde quanto aos perigos da reutilização de seringas. Para isso, em 2006 fundou uma entidade, a SafePoint, cujos projetos incluíam uma campanha de peso na Índia em 2008, com a adesão de 200 jornais e outros meios de comunicação, e filmes curtos passados na televisão e nos cinemas. As seringas auto – descartáveis foram adotadas em todos os centros de saúde do governo.

Marc também teve sucesso em Uganda, onde, em 2009, o governo reduziu à metade o uso de seringas normais. Mas somente depois da reunião com Lucy Nkya, em 2011, ela sentiu que a situação mudara. Nkya concordou em fazer da Tanzânia o primeiro país do mundo onde as seringas autodescartáveis são obrigatórias.

Hoje Marc já licenciou 14 fabricas no mundo para produzir a K1. Por sua realização, foi coberto de honrarias, como a Ordem do Império Britânico. Aos 53 anos, esse pai de três filhos ainda viaja pelo mundo para espalhar sua mensagem, e seus atuais alvos são a África do Sul e o Quênia. Ele já ficou a cabeceira de moribundos, já chorou com famílias enlutadas. “A maior frustração é que infecções fatais estão sendo espalhadas pela medicina”, diz. ” É isso que me faz acordar de manhã ”.

Estima – se que Marc já tenha salvado cerca de 9 milhões de vidas. Ele agora convenceu a organização Mundial de Saúde a começar uma campanha para obter injeções seguras em todos os países do mundo até 2017. Ele nunca acha que a tarefa que se impôs é ambiciosa demais?

“Os super-heróis não duvidam de si mesmos”, brinca ele, com o impulso confiante do menino de 6 anos que olhava as estrelas.

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